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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Transamérica


Abri a porta do meu quarto e me deparei com duas camas King size, dois criados mudos, dois abajures, um sofá, uma escrivaninha, a tv e a janela de vidro, que me mostrava o céu acinzentado. Não havia ninguém ali, só uma mala ao pé da cama. " Já trouxeram minha mala?", pensei, tentando ignorar o fato de que eu estava sozinho. Sentei na cama, testei a maciez do colchão, sentei na poltrona, liguei e desliguei o abajur, fui à janela e fiquei vendo os carros lá longe. Sentei na cadeira diante da escrivaninha. Ali havia um bloco de notas e uma caneta. Rabisquei um desenho e escrevi: Solidão, companheira, vá embora. De repente eu queria estar em casa. Mais uma vez observei o quarto em seu silêncio inexorável. Liguei a tv pra me sentir menos só.
Então a porta do quarto se abre. Ali surge um rapaz de óculos, alto e magro. " Puta que pariu, deve ser um nerd chato pra caralho", pensei, cumprimentando-o. Naquela mesma noite, mais tarde, vi que eu estava completamente errado. Tínhamos algumas coisas em comum. Enquanto o documentário na tv falava sobre o assassinato de Dália Negra, conversávamos sobre nós. Ora ficávamos em silêncio, olhando a tv, ora falávamos sobre qualquer coisa.
Regina Spektor cantava Fidelity, o relógio dizia que já devíamos estar dormindo e nós novamente estávamos conversando. Toda a timidez se fora.
Já estava amanhecendo quando fomos dormir. Logo acordamos. Quantas horas dormimos? Uma, no máximo. Lucas, agradeço a você, pois de certa forma você foi o culpado por eu ter conhecido com conheci.
Ah, as noites naquele quarto 402... Ainda posso sentir o cheiro do shampoo no pequeno frasco, posso ver o grande espelho embaçado pelo vapor da água quente, posso sentir a banheira sob os meus pés, ouvir o rapaz que tossia sem parar no quarto ao lado, a nossa risada ( agora éramos cinco: Eu, Léoh, Eduardo, Lucas e Igor.
( Maldita queda de energia, tive que interromper o post )
Parece que todas as pessoas que se hospedarem naquele quarto serão atormentados pelo nosso fantasma, pela nossa parte que se recusou a sair de lá. Os hóspedes ouvirão nossas risadas, nossas confidências e se esconderão no edredom.
Você* talvez tenha sido a grande culpa de toda essa minha nostalgia. Que dizer da segunda noite, quando você se deitou ao meu lado? Olhava fixamente para a tv, tentando não ver que eu te olhava. Você, sem graça, pedia que eu parasse, mas não dava, não podia. Meus olhos, meu todo eu foi atraído por você. Eu podia sentir seu calor mesmo não te tocando. Mas não queria apenas o calor, queria me queimar por inteiro. Então te toquei. Meus dedos caminhavam em seu braço, depois meus lábios sentiram seus dedos e...seus lábios! Não posso esquecer que antes disso minhas bochechas ( ah, benditas! ) foram batizadas por eles, macios, úmidos.
Essa Olimpíada se resume a você* e aos meus amigos. Essa Olimpíada representa o orgasmo da felicidade.
Como eu queria que as horas parassem, os pássaros ficassem parados no céu, como se fossem tangram suspensos por uma linha. Afrodite, Afrodite, Afrodite, por que não me acodiu? Os pássaros que não se aquietavam, os passos, os segundos seguindo seu trajeto me feriam. O céu, que é o dono da imensidão sabe o quanto eu quis que tudo parasse. Ele sim deve ter sabido a imensidão que havia em mim naqueles dias.
Ao sol éramos dois, distantes. Em lua, éramos um. Mas eles cobraram os seus serviços. O sol fazia um dia a pós o outro, a lua uma noite após a outra, assim, o tempo passava. O tempo, como odiei essa palavra.
A última noite... A última noite. Perco aqui o ânimo de escrever. Ainda em palavras queria nos fazer eternamente juntos. Nós dois juntos, aproveitando as horas que nos restavam.
- Daqui a pouco tenho que ir também.
Preferia ter me tornado surdo a ouvir você dizer aquilo. Sua voz dizendo tais palavras valeu por 402 mil porradas na cara da alma. Mas eu te queria e dediquei todos os segundos a você.
Lá fora já podíamos ouvir pessoas dizendo adeus. Finalmente você diz que tem que ir. Só eu sei a tempestade que naquela hora se formou dentro de mim. Eu não queria que você fosse. Então nos abraçamos. Bendito espelho, bendito espelho! Você, espelho, que certamente refletiu milhares de rostos, tristes e alegres, jamais refletiu algo como nós dois. Você, espelho, nos refletiu, e aposto que ainda nos guarda na memória. Quando você se quebrar e não mais existir, não se preocupe, eu me lembrarei de você, pois você foi importante, você nos refletiu! Sim, vou repetir: NOS REFLETIU!
E você caminhava pelo corredor em silêncio. Meu peito gritava, você pode ouvir?
Lucas se despediu de mim. Pronto, novamente eu me encontrava ali no quarto sozinho. Sozinho, como eu havia chegado. O quarto já não era mais o mesmo. Me esparramei na cama, buscando o seu cheiro. Cheirei o travesseiro também, pois ele tinha a obrigação de guardar o cheiro dos seus cabelos. Corri para o banheiro, tomei um banho e desci para o salão. Lá permaneci silencioso até que você apareceu. Fui ao seu encontro.
- Até depois. Um dia.- Você me disse em meio a um abraço. Subiu no ônibus e tudo estava acabado.
Novamente tive que enfrentar aquele quarto sozinho.
O café da manhã foi horrível.
A viagem de volta foi horrível.
No ônibus cochilei enquanto minha professora falava sobre qualquer coisa. Num dos cochilos eu ouvi as vozes dos 125 alunos e os rostos à minha volta não eram de desconhecidos, mas sim deles.
- Me desculpe, professora.
Cansado, finalmente adormeci. Cada segundo e quilômetro que passavam nos fazia mais distante. Como desejei morrer!

Fotogrfia tirada por Lucas.
Eduardo, Eu ( de pulseira rosa ),Igor e Léoh.

4 comentários:

  1. texto que remete a uma nostalgia inevitável, porem necessária para nossa vida cotidiana...

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  2. Droga de texto, me fez chorar. (Igor here)

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  3. Emocionante, lindo, perfeito! Saudades e, foi lindo, o amor de vocês!

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