Uma vez, na casa de minha avó, encontrei um passarinho que não podia voar. Sempre quis pegar um, mas sempre que eu me aproximava, ele voava. Via alguns gatos com suas estratégias de aproximação lenta e calculada e tentava reproduzí-las, mas sem sucesso. Sempre acabavam escapando. Ver aquele passarinho ali, indefeso, frágil, despertou em mim algo puramente huamano: o ódio! ÓDIO! Pelo quê? Desde quando è preciso motivo para sentir òdio? Não havia motivos, aquele pássaro nunca me fizera nada de mau.
Aproximei-me do bichinho que jazia caído sobre um pedaço de papelão. Batia as asas inutilmente. Agachei-me, fascinado, curioso. Ah, mas ao mesmo tempo que queria amassagá-lo, queria acariciá-lo, aninhá-lo, beijá-lo, fazer com que ele voasse. Mas naõ fiz nada disso. Torturei-o. Ouví-lo soltar pios doloridos me encantava. Jogava-o de um lado para o outro, apertava com os pés.
- Voa!- Dizia maldoso, jogando-o para o alto. Mas ele caia e isso me fazia rir.
Deixei que o bichinho descansasse. Fui assistir uma partida de futebol com o meu pai. Eu não gosto de futebol, mas quando menino gostava de acompanhar o meu pai aonde quer que ele fosse. O campo era ao lado de uma igreja católica. Tudo ia bem até que os sinos tocaram e do alto falante uma música triste abafou o som das vozes e dos pés dos jogadores sobre a grama. Ah, foi como se eu tivesse levado uma pancada no peito. Senti uma vontade de chorar, agarrei-me ao braço de meu pai e comecei a pensar no passarinho que eu torturara há pouco. Por que eu havia feito aquilo com ele? Queria voltar para a casa da minha avó, abraçá-lo, pedir desculpas, curá-lo para que ele pudesse voar. E se ele morresse sem que ao menos me desculpasse antes? Não lembro de ter chorado, pois não me vem a imagem de meu pai me repreendendo. Durante toda a partida eu pensava no pássaro. Maldita música, maldita igreja!
Quando voltei para a casa da minha avó, corri para os fundos do quintal. Lá estava o bichinho da mesma maneira que eu o havia deixado. Tão miúdo, tão indefeso, tão inocente. Peguei-o com toda a delicadeza que podia, levei-o em minha boca e o beijei. Ele piou. Ainda estava vivo, mas não parecia que duraria até o outro dia. Ah, que pena dele! Ouvi meu pai me chamar. Deixei o pássaro sobre o papelão e o fitei por um instante. Vê-lo ali tão frágil e indefeso novamente me despertou o ódio, mas desta com um quê de piedade. Queria pisá-lo e ao mesmo tempo curá-lo. Dei meia volta e fui embora.
No outro dia ele não estava mais lá, nem o papelão. A única coisa que o pássaro deixara para trás fora a humanidade em mim.
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